Nas profundezas das águas cristalinas do Rio de Jade, onde suas margens ocultam segredos tão antigos quanto os primeiros feitiços gravados nos grimórios do mundo, ergue-se o Templo das Correntes Eternas.
Aqui, entre colunas submersas e cânticos esquecidos, habita o Mago das Águas Profundas, o guardião das correntes e protetor do Fluxo Infinito – um emaranhado de rios subterrâneos que conectam dimensões e guardam o equilíbrio das forças elementais.
Mago das Águas Profundas sempre soube que em um ciclo futuro tentariam romper essa harmonia; isso foi previsto pelo Oráculo. O destino das águas é fluir, mas há aqueles que desejam contê-las.
E esse ciclo finalmente chegara.
O Invasor que veio pelas Sombrio
No coração da Província de Grimoar, sua Biblioteca Real abrigava pergaminhos tão valiosos quanto proibidos. Dentro de suas muralhas de pedra, entre corredores labirínticos e sombras persistentes, Geômetra Sombrio tramava seu próximo movimento.
Geômetra Sombrio não acreditava no caos das marés. A fluidez era para ele um conceito falho, um erro da criação. Seu objetivo era desenhar uma realidade perfeita, onde nada fosse incerto, onde cada peça ocupasse seu lugar exato em um grande tabuleiro cósmico.
E para isso, ele precisava do Fluxo Infinito.
Com o poder do Fluxo Infinito em suas mãos, Geômetra Sombrio poderia erguer o Grande Diagrama Sombrio, um sistema de runas matemáticas que encerraria os elementos em formas estáticas, impedindo-os de mudar, crescer ou se transformar.
Mago das Águas Profundas, porém, nunca permitiria tal profanação.

O Primeiro Lance
Quando Geômetra Sombrio cruzou as fronteiras do Rio de Jade, ele não veio com um pequeno exército. Seu campo de batalha não era feito de espadas, mas de cálculos e previsões. Ele era um estrategista, e sua guerra era travada em um nível mais profundo mas eficiente.
Com um único gesto, Geômetra lançou ao ar seu hēi zǐ (黑子) – um artefato de obsidiana negra que, ao tocar a água, gerou ondas estáticas, congelando o fluxo do rio em hexagramas perfeitos. Cada gota d’água que tocava aquele padrão se imobilizava, presa em um esquema imutável.
O Mago das Águas Profundas sentiu o impacto. O rio, que sempre sussurrara segredos fluidos, agora estava mudo, como se tivesse sido aprisionado em um espelho cristalino.
Mas Mago também tinha sua peça mágica nesse jogo.
Das profundezas do templo, Mago das Águas Profundas ergueu o bái zǐ(白子) – um artefato de jade branco que brilhava como a espuma das ondas. Ele o lançou ao rio, e onde sua luz tocou, a rigidez das geometrias foi dissolvida, as águas voltando a fluir, quebrando os padrões de Geômetra Sombrio.
Era um embate silencioso, mas implacável.
A Expansão do Tabuleiro
Geômetra Sombrio sabia que não poderia vencer com força bruta. Seu plano era outro.
Ele espalhou seus hēi zǐ por pontos estratégicos, criando áreas onde o fluxo da água não podia passar. Pequenas ilhas de rigidez emergiam do caos, se conectando em padrões crescentes. Cada novo ponto era um avanço, um passo a mais no cercamento do território inimigo.
Mago das Águas Profundas compreendia, no entanto, a paciência da água. Não tentava resistir diretamente. Em vez disso, guiava suas correntes em caminhos alternativos, contornando as barreiras do inimigo, infiltrando-se em espaços vazios, esperando o momento certo para expandir.
Era uma dança, uma luta onde cada movimento importava.

O Ponto de Ruptura
Por dezesseis ciclos, a batalha se desenrolou no silêncio das águas. Geômetra Sombrio avançava com precisão, criando redes de contenção cada vez mais amplas. Paralelamente, Mago das Águas Profundas respondia com fluidez, transformando os espaços vazios em vantagem.
Até que o momento chegou.
Geômetra Sombrio percebera tarde demais. Ele pensara que suas geometrias eram impenetráveis, mas não havia considerado a estratégia do adversário. Mago não tentara destruir suas barreiras – ele as cercara.
Cada artefato posicionado, cada fluxo direcionado, havia levado a este instante. Geômetra viu-se sem saídas. Suas linhas estavam bloqueadas, seus padrões, desfeitos. Ele tentara até mesmo congelar o rio, mas o rio não se detém. Ele se adapta, se espalha, encontra caminhos invisíveis.
E então, com um último sussurro das águas, o Fluxo Infinito retomou seu curso, dissolvendo as últimas geometrias advindas dos artefatos de Geômetra.
A batalha estava decidida.
O Recuo e a Promessa
Geômetra Sombrio não se desesperou. Ele sabia que uma derrota não era o fim. Retirou-se para as sombras da Biblioteca de Grimoar, planejando sua próxima jogada.
Mago das Águas Profundas permaneceu em silêncio à beira do rio, observando as águas voltarem ao seu estado natural. No fundo, não comemorava. Sabia que a batalha poderia ter sido vencida, mas a guerra entre fluidez e rigidez nunca terminaria.
Haveria sempre aqueles que tentariam prender o curso dos rios.
E haveria sempre aqueles que garantiriam que eles jamais parassem de correr.