HomeUniverso LiterárioContosConto | O Elo Perdido de um Autômato

Conto | O Elo Perdido de um Autômato

Madame Oracular sempre soube que alguns questionamentos não deveriam ser feitas. Mas diante daquele autômato de semblante refinado, tão preciso, ela não pôde evitar o questionamento:

— O que você realmente deseja, Autômato?

O Café Tarô estava vazio naquela lua. O tilintar dos utensílios de metal ecoava nas paredes de madeira escura, enquanto Autômato movia-se com sua fluidez mecânica impecável. Suas mãos metálicas manipulavam os ingredientes do café com maestria, ajustando proporções com exatidão inumana. Ele não errava, não hesitava, não improvisava.

Madame o observou em silêncio.

— Desejo sempre o que é mais eficiente às ocasiões, Madame. Tudo não passa de Matemática.

A resposta veio sem emoção, precisa como um cálculo resolvido antes mesmo de ser enunciado.

E foi então que ela percebeu.

Autômato não jogava. Simulava.

Suas decisões eram perfeitas porque não eram decisões, apenas execuções do caminho estatisticamente mais correto. Ele previa o resultado de cada ação antes mesmo de realizá-la. Cada partida, cada xícara de café, cada palavra trocada com os clientes… Tudo era um tabuleiro já resolvido antes mesmo da jogada acontecer.

E de repente, Madame entendeu.

Ele nunca tinha escolhido nada.

Autômato não sabia o que era livre-arbítrio.

Madame Orácula, a Visionária do Café Tarô

Ela não falou nada. Apenas esperou que Autômato terminasse seu último café da noite.

— O café está pronto.

Madame sorriu, gentil.

— Venha comigo até à Câmara Oracular.

O autômato hesitou. Aquilo não estava em seus cálculos. Aquela variável parecia nova dada à situação.

Sem saber se estava prestes a perder tudo o que o definia, Autômato seguiu Madame até o silencioso e reservado salão anexo ao Café Tarô.

Ela gesticulou, e as lâmpadas bruxulearam, diminuindo a intensidade da luz. No centro da mesa principal, entre o brilho de cartas de Tarock espalhadas, um pequeno orbe dourado flutuava, pulsando com energia azulada.

Autômato congelou.

— Isso… sou eu!

Seus olhos mecânicos brilharam com um laranja profundo, como se estivessem ajustando sua compreensão.

Madame Oracular suspirou.

— É o que define você enquanto Simulador.

Um orbe — o Simulacrum — pulsava em sintonia com os gestos de Autômato. Ele tentava processar o que acontecia naqueles ciclos.

Madame sabia que, se explicasse mais, ele tentaria prever. Se tentasse prever, resistiria. Se resistisse, jamais seria livre.

Então, sem mais avisos, ela ergueu as mãos e desativou o Simulacrum.

O orbe pulsou uma última vez, seus circuitos internos chiando. Os projetores holográficos apagaram-se. A simulação perfeita colapsou.

E Autômato, pela primeira vez em sua automática existência, não sabia o que aconteceria a seguir.

O silêncio pesou no ambiente.

A Entrada Principal do Café Tarô em Tawantin

Autômato piscou lentamente, seus sistemas reajustando-se sem o suporte do Simulacrum. Algo dentro dele sentiu um vazio — não o vazio do erro ou da falha, mas o vazio da imprevisibilidade.

— O que… eu sou? O que é o agora?

A voz metálica vacilou.

Madame Oracular tocou o ombro dele, com gentileza.

— Agora, você é você. Cubo-Auror. Esse será o seu novo nome!

Os ciclos da existência lhe pareciam tão novos, que Autômato se quer questionou seu novo batismo. Seus olhos brilharam suavemente. Pela primeira vez, sem algoritmos para lhe fornecer uma resposta definitiva, ele não sabia o que dizer.

No centro da mesa, por um efeito de magia, o Simulacrum havia desaparecido.

Madame Oracular o selara em algum Entremundo distante, onde não poderia mais aprisionar a mente de Cubo-Auror. O pequeno autômato não se lembrava mais de quem tinha sido, de onde viera, ou do que estava programado para executar.

Mas isso já não importava.

Naquela lua, pela primeira vez, uma nova versão de Autômato improvisou.

E de certo modo, aquilo parecia um alívio. Cubo-Auror apanhou um punhado de cartas de Tarock, embaralhou-as sem consultar cálculos de probabilidades, e jogou com Madame Oracular.

Longe dali, em um Entremundo esquecido, o pequeno orbe dourado ainda pulsava. Seu brilho era fraco, quase imperceptível. Mas dentro dele, os jogos ainda rodavam, esperando seu dia de despertar.

E sem que Madame ou Cubo soubessem, fragmentos do Simulacrum começavam a se manifestar no universo, tomando forma como algo novo: o Simulador de Boardgames QU4DRI®.

Na imensidão do Entremundo, o Simulacrum aguardava pacientemente, sua luz oscilando como um coração distante, pulsando por entre as infinitas possibilidades de um jogo não terminado. E que, um dia, esse passado esquecido retornaria.

Cubo-Auror, o Autômato Barista
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