Na silenciosa sala de aula da Escola de Jogos da Magia, a Professora de Matemática estava diante de seus alunos, segurando um pergaminho envelhecido. O ambiente era impregnado com o cheiro de tinta fresca e o som suave de páginas sendo viradas. Ao colocar o pergaminho sobre a mesa, ela sorriu enigmaticamente.
— Hoje, quero desafiá-los. — Sua voz era firme, mas acolhedora. — Longe do Reino Quatro Cantos do Mundo, há uma cidade há muito perdida, conhecida como Shahr-e Sūkhté.
Shahr-e Sūkhté, também conhecida como “Cidade Queimada”, está localizada no sudeste do espaço-tempo que chamam Irã, na província de Sistão-Baluchistão, próxima ao deserto de Lut (Dasht-e Lut). Mais especificamente, está situada ao longo da antiga rota comercial que conectava a Mesopotâmia ao subcontinente indiano, uma localização estratégica que a tornou um importante centro comercial e cultural durante a Idade do Bronze (aproximadamente entre 3200 e 1800 antes do chamado Calendário Cristão).
Dizem que esta cidade foi o coração do comércio em seu espaço-tempo e, nela, havia esse homem enigmático que conhecemos apenas como o Eremita das Areias. Ele criou algo único, um artefato analógico que transformou a forma como as trocas eram feitas: o Mecanismo Sis, mais tarde chamado também de Marcador de Valor na Troca das Mercadorias.
Os alunos se entreolharam, curiosos. Alguns murmuravam entre si, outros já estavam imersos em seus cadernos, anotando o que podiam. A Professora ergueu um dedo, pedindo silêncio.
Shahr-e Sūkhté, A Joia do Deserto
As areias do deserto envolviam Shahr-e Sūkhté (localizada nas Terras Longínquas do Oriente) como um manto dourado, ondulando sob o sol inclemente e os ventos que traziam histórias de terras distantes. Erguida em um vale fértil, onde os rios se cruzavam como veias da terra, Shahr-e Sūkhté pulsava com a energia de um comércio vibrante e incessante. Muito mais do que uma cidade, ela era um oásis de encontros e trocas, um centro pulsante de culturas, ideias e sonhos.
Por suas ruas de terra batida ecoavam línguas de todas as direções. Mercadores do Leste traziam seda, especiarias e sonhos coloridos; do Norte, metais preciosos e cerâmicas brilhantes refletiam a luz do deserto; do Sul, chegavam conchas e pedras exóticas; e do Oeste, vinham animais de carga e histórias de terras geladas. A cidade era um porto sem mar, onde caravanas convergiam guiadas por estrelas e instinto, trazendo consigo o peso de jornadas longas e recompensas aguardadas.
As construções de Shahr-e Sūkhté (que significa “Cidade Queimada”), moldadas pela argila e pelo tempo, erguiam-se como testemunhas silenciosas de sua história. Estruturas altas, mas austeras, ostentavam motivos geométricos que refletiam o céu estrelado à noite. Vasos de cerâmica repousavam em nichos cuidadosamente talhados nas paredes, protegendo sementes, grãos e artefatos preciosos. Dentro dessas construções, oficinas fervilhavam de atividade: ferreiros martelavam metais, tecelões trabalhavam em teares, e ceramistas moldavam com precisão as peças que carregariam as marcas da cidade para terras distantes.
Shahr-e Sūkhté era muito mais do que um ponto de encontro para mercadores; ela era um santuário de conhecimento. Em seus bazares, não apenas bens eram negociados, mas também ideias. Palavras trocadas no calor das discussões comerciais germinavam como sementes em solo fértil. Histórias, lendas e práticas científicas cruzavam as fronteiras invisíveis de Shahr-e Sūkhté, transformando-a em um caldeirão onde culturas e saberes se fundiam.
Ao amanhecer, o som dos sinos dos camelos acordava a cidade, enquanto o aroma de pães recém-assados e especiarias tomava o ar. À medida que o sol subia, o calor lançava um véu sobre os telhados e o chão de terra batida, mas as sombras das tendas ofereciam alívio e um espaço para negociações. À noite, as estrelas tomavam o lugar do sol, e as histórias contadas ao redor das fogueiras criavam pontes entre os viajantes. Shahr-e Sūkhté nunca dormia completamente; ela respirava e sussurrava, viva como o comércio que a sustentava.
Embora poucos soubessem na época, cada objeto que trocava de mãos em Shahr-e Sūkhté carregava consigo um pedaço da alma da cidade. Cerâmicas, ferramentas e ornamentos, muitas vezes insignificantes aos olhos modernos, eram o legado de um povo que viveu, sonhou e construiu um império de comércio e cultura em um pedaço esquecido do deserto.
Shahr-e Sūkhté era mais do que uma cidade; era uma entidade viva, pulsante, um testemunho de como a troca de bens e ideias pode tecer os fios da história. Por entre suas ruas e becos, um viajante não encontrava apenas comércio, mas também a essência da humanidade: a capacidade de construir, compartilhar e criar.
O Eremita das Areias
Nascido por volta de 2550 antes do chamado Calendário Cristão, ele ficou conhecido apenas como o Eremita das Areias, um título que ecoava entre os ventos do deserto e nas vozes murmuradas nos bazares de Shahr-e Sūkhté. Poucos sabiam sua origem, e menos ainda conheciam seus reais propósitos. Para muitos, ele era um mistério; para outros, um símbolo de sabedoria e vigilância em uma terra onde o comércio e a sobrevivência eram tão inseparáveis quanto o sol e a areia.
Diziam que ele chegou à cidade como um viajante qualquer, vestindo mantos simples e trazendo consigo o desgaste de quem percorreu longas distâncias. Mas, ao contrário dos mercadores habituais, ele não trazia cargas de seda, especiarias ou metais preciosos. Seu fardo era mais sutil, menos visível: ele carregava histórias, conhecimentos e um olhar que parecia alcançar muito além das dunas do deserto.
Não possuía uma casa fixa. O Eremita era um habitante das margens, vivendo entre os becos, nas sombras das tendas ou às vezes nas ruínas que cercavam Shahr-e Sūkhté. No entanto, sua presença era percebida em todos os cantos da cidade. Ele ajudava viajantes a encontrar o caminho correto, mediava disputas entre mercadores e, em raras ocasiões, sentava-se ao lado dos anciãos para compartilhar conselhos.
Seu olhar era o que mais marcava. Quem cruzava seus olhos dizia sentir algo indescritível: um misto de inquietação e conforto, como se ele soubesse mais do que estava disposto a revelar. Esse olhar lhe garantiu respeito, mas também cautela. Não era raro ouvir histórias de como o Eremita das Areias podia antecipar o que estava por vir, alertando caravanas sobre tempestades iminentes ou prevenindo negociações que poderiam resultar em desastres.
Ele não era jovem, mas também não parecia velho. Era como se o deserto tivesse moldado seu corpo e sua alma em um equilíbrio atemporal. Seus cabelos, cobertos pelo capuz de seu manto, rareavam, e sua barba carregava traços de prata que brilhavam ao sol. Suas mãos, calejadas pela vida na areia e no vento, tinham a firmeza de quem já construiu e a delicadeza de quem sabe preservar.
Para os mercadores, o Eremita das Areias era uma figura de respeito e utilidade. Ele não negociava mercadorias, mas frequentemente era consultado antes das grandes trocas. Sabia os segredos das caravanas que cruzavam a cidade e conhecia como poucos os valores das mercadorias. Contudo, sua lealdade não era comprada; ele servia apenas à harmonia de Shahr-e Sūkhté. Para ele, cada troca, cada negociação, era como um fio no vasto tapete da cidade, e seu papel era garantir que o tecido permanecesse intacto.
Havia algo quase místico na ligação entre o Eremita das Areias e Shahr-e Sūkhté. Muitos acreditavam que ele era a personificação da cidade, um espírito protetor enviado para assegurar seu equilíbrio. Outros diziam que ele estava em busca de algo ou, talvez, de alguém. Suas caminhadas noturnas pelos arredores da cidade, às vezes sozinho, às vezes conversando com o vento, alimentavam essas teorias. Ele parecia estar em comunhão com algo maior, algo que transcendia os negócios diários dos bazares.
Embora respeitado, Eremita das Areias também era alvo de sussurros e especulações. Alguns diziam que ele guardava um segredo tão valioso quanto qualquer mercadoria que passasse pelas mãos dos mercadores. Outros acreditavam que ele fosse o último remanescente de uma linhagem perdida, um povo antigo que deu origem à própria Shahr-e Sūkhté. Mas, como o deserto que o cercava, ele permanecia insondável, deixando que os rumores dançassem como grãos de areia ao vento.
Assim era Eremita das Areias: um homem cuja história parecia ser contada pelas próprias areias do deserto. Sua presença era um lembrete de que, em Shahr-e Sūkhté, havia mais do que comércio e sobrevivência. Havia também mistério, sabedoria e o inexorável fluxo do tempo, que ele, de alguma forma, parecia compreender melhor do que qualquer outro.
Criação do Artefato SiS e o Legado do Eremita das Areias
Na fervilhante cidade de Shahr-e Sūkhté, onde caravanas se cruzavam trazendo mercadorias das terras mais distantes, havia agora uma figura central que regulava o fluxo de riquezas e assegurava que o equilíbrio comercial fosse mantido: o Eremita das Areias. Este homem, de fala tranquila mas firmemente respeitada, era muito mais do que um mediador; era o coração pulsante do mercado. No caos aparente de mercadores competindo por espaço e atenção, era ele quem, com seu olhar perspicaz e mãos firmes, organizava o comércio e trazia ordem ao tumulto.
À medida que as trocas na cidade aumentavam em complexidade, surgiram problemas que desafiavam até mesmo o Eremita das Areias. Produtos como especiarias, pedras preciosas, tecidos e grãos tinham valores intrínsecos, mas a variedade das culturas e línguas dificultava a avaliação justa. Os cálculos baseados apenas na experiência e na reputação já não eram suficientes. Muitas vezes, as discussões sobre o valor de mercadorias ameaçavam romper a harmonia do mercado.
Foi neste contexto que o Eremita começou a buscar uma solução mais concreta e imparcial. Ele precisava de um método confiável para atribuir valor às trocas, algo que transcendesse as palavras e as interpretações. Em sua mente, nasceu a ideia de um artefato que pudesse simbolizar e quantificar o valor — uma ferramenta que todos, independentemente de sua origem, pudessem compreender e aceitar.
Inspirando-se nos utensílios que cercavam seu dia a dia — pratos de cerâmica, vasos de argila e as marcas nas pedras que registravam transações antigas —, o Eremita começou a trabalhar. Ele passou dias em silêncio, sentado sob a sombra de uma das torres do mercado, moldando pequenos círculos e formas geométricas em argila. A sua ideia era simples, mas revolucionária: criar um conjunto de marcadores que, ao serem colocados em diferentes posições ou combinações, refletissem valores distintos. Esses marcadores, uma vez padronizados, serviriam como um tipo de “moeda cambial” que representaria o valor de qualquer mercadoria.
Com o tempo, Eremita criou o que ele próprio chamou de Marcador de Valor na Troca das Mercadorias, um conjunto de peças meticulosamente trabalhadas, projetadas para serem usadas tanto como ferramenta prática quanto como símbolo de confiança. Sua estrutura incluía formas geométricas simples que, em conjunto, podiam ser reorganizadas para criar representações de valores, rotações ou medidas de troca.
O novo artefato rapidamente se provou essencial no mercado de Shahr-e Sūkhté. Mercadores de terras longínquas começaram a reconhecer o artefato como uma inovação sem precedentes, que passou a ser usado não apenas na cidade, mas também em regiões vizinhas, tornando-se parte integrante das rotas comerciais que ligavam o deserto às montanhas e aos mares.
No entanto, o Eremita das Areias, já envelhecido, começou a sucumbir ao peso dos anos. Em um dia particularmente agitado no mercado, enquanto ajudava a resolver uma troca complicada entre dois mercadores estrangeiros, caiu subitamente, vítima de exaustão. Foi carregado para sua casa, mas sua saúde não resistiu ao esforço.
Após sua morte, a comunidade de Shahr-e Sūkhté sentiu profundamente sua ausência. Para honrar o legado daquele que havia transformado o comércio da cidade, decidiram enterrá-lo com os utensílios que ele utilizava em sua rotina: os pratos e vasos que separavam as mercadorias e, claro, o próprio Marcador de Valor na Troca das Mercadorias.
A tumba foi decorada com os símbolos de sua função, e o artefato foi colocado ao lado de seu corpo, não como um objeto morto, mas como um símbolo vivo de sua contribuição para o mundo. Assim, o Eremita das Areias tornou-se imortal não apenas nas histórias contadas pelos mercadores, mas também na estrutura do próprio mercado, que continuaria a prosperar por gerações graças à sua criação.
O Desafio da Professora de Matemática
Voltando à sala de aula na Escola de Jogos da Magia, a Professora de Matemática finalizou sua explanação sobre Shahr-e Sūkhté dizendo:
— A tarefa de vocês, como aprendizes da Escola de Jogos da Magia, será recriar este mundo. Quero que projetem um jogo de tabuleiro inspirado na cidade, no Eremita das Areias e em seu artefato. Imaginem as trilhas comerciais, os desafios do deserto, e, acima de tudo, a genialidade necessária para manter o equilíbrio em um lugar tão vibrante.
A Professora de Matemática reabriu o pergaminho, revelando um desenho detalhado do artefato SiS, cercado por ilustrações da cidade e do objeto usado para trocas comerciais.
— Aqui está o ponto de partida. Usem a lógica, a matemática e a criatividade. Vocês devem decidir como as trilhas serão percorridas, como os marcadores representarão as mercadorias e como os jogadores enfrentarão os desafios do comércio. E lembrem-se, o nome do desafio é A Rota de Shahr-e Sūkhté. Um jogo que exige estratégia e colaboração.
Os olhos dos alunos brilhavam com excitação. A Professora deu um passo à frente, estendendo a mão em um gesto teatral.
— No final, o objetivo não é apenas criar um jogo. É também honrar o legado de uma cidade que foi construída sobre trocas e conexões. Shahr-e Sūkhté não era apenas um mercado; era uma ponte entre mundos.
Os aprendizes da Escola de Jogos da Magia começaram a trabalhar imediatamente, dividindo-se em equipes e traçando esboços, calculando possibilidades e discutindo regras. Para eles, este não era apenas um trabalho escolar. Era uma oportunidade de viver a história e dar vida ao legado do Eremita das Areias.
— Não se esqueçam, o melhor trabalho será agraciado com dias de folgas da escola.
Os alunos se alegraram e assim nasceu, criado por um dos grupos, A Rota de Shahr-e Sūkhté um jogo que, embora ancorado em ciclos imemoriais longes do espaço-tempo do Reino, continuava a conectar mentes criativas no presente e futuro.
Crônica do Escriba Real em Edubba